Cavalheirismo é ser gentil com mulheres. Andar entre sua mulher e a rua, caso passe um caminhão por cima de uma poça. Abrir a porta para as damas. Se oferecer para ajudar quando vê uma moça carregando uma mala pesada. Pagar a conta do restaurante e, especialmente, a do motel.
O machismo é você ver um moço com dificuldade de carregar uma mala pesada… e nunca nem te ocorrer ir lá se oferecer pra ajudar.
Objeção nº1: “Você está confundindo machismo com gentileza! Ajudo as mulheres porque são mais fracas!”
Muita gente fala que cavalheirismo é só gentileza. Que é gentileza com alguém que é mais fraco.
Mas não é verdade.
Se você é gentil com todo mundo, e não só com as mulheres, então você não é cavalheiro: você é gentil.
Alguns homens me respondem que “o cavalheirismo ajuda preferencialmente mulheres porque elas são mais fracas” mas isso
1) É machismo, justamente por presumir que as mulheres são sempre mais fracas, e
2) É mentira, porque vejo esses mesmos homens ajudando mulheres que não são fracas e deixando de ajudar homens que são sim mais fracos.
Se o cavalheirismo fosse realmente um código de conduta que pregasse que, em qualquer situação, a pessoa mais forte e mais capaz e mais apta deve sempre ajudar a pessoa menos forte, menos capaz e menos apta, de qualquer sexo e de qualquer gênero, então, ele seria uma das coisas mais lindas e revolucionárias da história da humanidade e meu texto perderia totalmente a razão de ser.
Além disso, se cavalheirismo significasse só “ajudar a pessoa mais fraca”, então não teria porque não dividir a conta do motel ou do restaurante.
Ou, então, a conta seria sempre paga pelo “mais forte”, ou seja, por quem ganhasse mais, independente do gênero.
Só que não é assim.
Segundo o rígido código de conduta do cavalheirismo, o homem tem sempre que pagar a conta ganhando mais ou menos, tem sempre que carregar as malas sendo mais fraco ou mais forte. Sempre.
Porque o grande problema do cavalheirismo é justamente partir da premissa que a mulher sempre vai ser a parte fisicamente, economicamente, emocionalmente mais fraca.
O cavalheirismo jamais teria surgido, jamais seria nem conceitualmente possível, a não ser em uma sociedade que já tivesse como auto-evidente a submissão, a fraqueza, a inferioridade das mulheres. E, a cada ato cavalheiresco nosso, estamos mantendo vivas essas ideias detestáveis.
Esse é o problema.
Faz alguns dias, a fotógrafa Claudia Regina, mulher adulta, autônoma, independente, escreveu sobre sua experiência pedindo a conta em restaurantes: mesmo quando é ela que pede, a conta sempre é entregue ao homem da mesa. Muitos leitores, homens e mulheres, não conseguiram ver nessa atitude um sintoma do profundo machismo da nossa sociedade. Esse meu texto de hoje é para tentar explicar. (Dica: a culpa não é do garçom.)
Mulheres como a Claudia não querem viver numa cultura cujo código de conduta romântico-sexual sempre presume que são fracas e incapazes.
Objeção nº2: “As mulheres são as maiores machistas! Elas é que exigem o cavalheirismo!”
Ao ler textos como esse, muitos homens ficam extremamente defensivos. Dizem que as mulheres é que são “as maiores machistas”. Que as mulheres com quem saem esperam que eles paguem a conta do restaurante, que paguem a conta do motel.
Essas regras foram gravadas tão profundamente em nossas almas que, para muitos homens, é simplesmente impensável e intolerável sair romanticamente com uma mulher, ou levá-la ao motel, e não pagar tudo. Para ele, ser homem é fazer essas coisas e, portanto, ao não fazê-las, de maneira bem concreta e real, ele não seria mais homem.
Infelizmente, muitas mulheres também introjetaram os preconceitos da cultura machista e são prisioneiras do cavalheirismo, dessa definição tão mesquinha e limitante do que é “ser homem” e do que é “ser mulher”.
Por que eu sairia com um homem se ele não me pagar tudo? Eu hein! Se for pra sair e dividir a conta, saio com as minhas amigas.”
E eu, perguntei:
“Mas e se você gostar dele?”
E ela:
“Eu só gosto de homem de verdade, homem que me trata como eu mereço!”
Ou seja, como um prêmio ou como uma mercadoria.
Por fim, uma outra amiga, liberada e independente, me confessou:
“Eu já tive que transar no carro, porque ele não tinha dinheiro pro motel e não admitia que eu pagasse. Mas eu queria, então… Ou seja, machismo dá dor nas costas!”
Se o cara tivesse perdido a transa por causa dessa palhaçada, talvez começasse a reconsiderar seus preconceitos.
Então, quando os homens afirmam que agem de forma cavalheiresca (leia-se: machista) porque as mulheres exigem o cavalheirismo (leia-se: o machismo), eu tenho que admitir que sim, muitas mulheres de fato compraram o pacote completo da ideologia machista.
Mas e daí?
Objeção nº3: “ Cavalheirismo é como as mulheres chamam a parte do machismo que lhes convém!”
Dez mulheres são assassinadas por dia no Brasil, colocando-o no 12º lugar no ranking mundial de homicídios contra a mulher. Uma em cada cinco mulheres já sofreu violência de parte de um homem, em 80% dos casos o seu próprio parceiro. Em 2011, o ABC paulista teve um estupro (reportado!) por dia. Na cidade de São Paulo, uma mulher é agredida a cada sete minutos.
As mulheres são mortas em tão grandes números, e por seus próprios homens, porque existe uma cultura machista no Brasil, onde as mulheres são vistas como tendo menos valor, onde as mulheres são rotuladas ou como santas ou putas, onde uma mulher viver abertamente sua sexualidade é considerado ofensivo ou repreensível, onde a sexualidade de uma mulher tem impacto direto sobre a honra de seu companheiro.
Se os homens pensam que abrir uma porta ou carregar uma mala bastam para compensar esse circo dos horrores, estão muito enganados.
Naturalmente, se um dos dois não pode pagar, dá-se um jeito. Cada caso é um caso: paga mais quem tem mais condições.
O cavalheirismo é machista justamente porque, independente das circunstâncias, impõe a um tipo de pessoa o ônus de sempre pagar e a outro, o bônus (na verdade, também um ônus, como prova a minha amiga que teve que transar no carro) de não poder pagar nunca.
Nada mais cavalheiro do que ser pró-feminista
Um cavalheirismo mais verdadeiro não seria apenas abrir a porta e carregar a mala.
Um cavalheirismo de verdade seria saber ouvir e respeitar as mulheres. Quando elas reclamam de ter sido violentadas, inferiorizadas, controladas, o verdadeiro cavalheiro saberia ouvir, saberia se colocar no lugar delas, saberia exercer sua empatia, saberia não minimizar a dor que elas sofreram.
Em outras palavras, o cavalheiro de verdade… seria pró-feminista.
Mas aí, claro, ele já não seria mais um cavalheiro.
Não existe almoço grátis
O homem-cavalheiro-que-tudo-paga, do motel ao jantar, como se estivesse comprando um serviço, e a mulher-dama-que-tudo-aceita, como se o seu sexo fosse uma coisa que vende em troca da melhor oferta, já embarcaram em uma relação comercial faz tempo, quer saibam, quer não.
O homem-cavalheiro-que-tudo-paga é o mesmo que acha que a mulher-dama-que-tudo-aceitou tem a obrigação de lhe oferecer o serviço anunciado.
E, quando esse homem é frustrado em suas intenções, ele ou a estupra ou sai dizendo que homem bonzinho só se fode, que foi colocado no friendzone, que as mulheres são canalhas e interesseiras. (Na prática, o primeiro é somente mais predisposto à violência que o segundo, mas a lógica que os motiva é idêntica.)
O homem cavalheiro e o homem machista são o mesmo homem.
O homem verdadeiramente gentil não é cavalheiro: ele é só gentil. Com todos. E não espera nada em troca.
Sempre chega a conta
Recentemente, uma leitora perguntou a Regina Navarro Lins:
“Sempre tive uma relação muito boa com o meu namorado, mas isso está se modificando… Desde o início me agradou a cortesia dele, sua atitude de super cavalheiro, que nunca me deixou botar a mão na carteira, sempre pagou tudo e sempre impediu que eu fizesse qualquer esforço. Ele se adianta para abrir as portas ou qualquer outra atividade que possa fazer por mim. Mas, após seis meses de namoro, começo a notar que ele se coloca numa posição de superioridade em relação a mim. Qualquer opinião que eu tenha sobre assuntos gerais, ele não leva em consideração, faz até cara de deboche. Fui prestando a atenção em sua postura e estou certa de que ele mantém uma atitude dúbia comigo: me mantém confortável e ao mesmo tempo me despreza.”
Pois é. Sempre chega a conta.
O homem que faz o seu imposto de renda pra você “não preocupar sua cabecinha linda com isso” é o mesmo que não está interessado nas suas opiniões… porque ele sinceramente te acha uma idiota! Ele não se transformou de príncipe em canalha da noite pro dia. Ele já te achava uma idiota quando galantemente se ofereceu para fazer seu imposto de renda. Aliás, ele provavelmente se ofereceu para fazer seu imposto de renda porque te achava uma idiota incapaz de fazer isso tão bem quanto ele.
A fantasia de muitas mulheres, que quase nunca se realiza e muitas vezes tem consequências trágicas, é conseguir o-príncipe-que-faz-seu-imposto-de-renda sem levar junto o-canalha-que-não-se-interessa-por-suas-opiniões-porque-te-acha-uma-idiota.
Infelizmente, quase sempre, eles não só vêm juntos, mas são o mesmo. Uno e indivisível.
Citando a Regina:
“Cavalheirismo … [t]raz, de forma subliminar, a ideia de que a mulher é frágil e necessita do homem para protegê-la, até nas coisas mais simples como abrir uma porta. … [A]lgo que parece tão inocente pode ser profundamente prejudicial por reforçar inconscientemente ideias que já deveriam ter sido reformuladas. … Que tipo de homem deseja proteger uma mulher? Certamente não seria um que a vê como uma igual, que a encara como um par. Mas aquele que se sente superior a ela. E como disse a atriz americana Mae West em um dos seus filmes: “Todo homem que encontro quer me proteger… não posso imaginar do quê.”"
Esse texto foi postado e discutido pelo blog Papo de Homem que retirou na lista das Blogueiras Feministas e, graças às críticas e feedback recebidos, a versão final está significativamente melhor do que estaria. Muito obrigado. Recomendo aos leitores visitarem o site e o facebook das Blogueiras Feministas e o pdh
Mulher e homem SÃO diferentes, em vários pontos: físicos, mentais, emocionais. Tem um monte de pesquisas sobre isso, a evolução genética de homens e mulheres. Homens são mais fortes fisicamente, mais propensos a poligamia, melhores imitadores e mais brutos. Mulheres são mais fracas fisicamente, mais propensas a monogamia, mais empáticas e piores na percepção espacial. O mundo moderno dita que as coisas sejam diferentes, mas não se muda genética de um dia pro outro, po. Muda o que der pra mudar, mas tbm não vai ficar aí contestando só por contestar!
ResponderExcluirÉ uma questão hormonal... Homens e mulheres têm muitas diferenças biológicas...
ResponderExcluirnão, não é uma "questão hormonal".
Excluirmulheres são mais vulneráveis à violência, não tem nada de hormonal nisso.
é uma questão social.
É aí que o texto acima entra. Uma questão social porque somos um povo machista. Se não fossemos o estuprador não teria o conceito de que mulher é um objeto.
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